CAPITÃES DE JANEIRO
De “Rei Leão” a “Bubble boy”

Os adeptos dos dois maiores clubes portugueses certamente apresentam hoje sentimentos bem diferentes não só para com seus clubes como também para com os seus capitães.
No Sporting Sá Pinto vinha decaindo naturalmente. A idade não perdoa e o “Rei Leão” vinha surgindo cada vez mais longe do grande nível que patenteou antes de todas as injustiças e exageros que foram cometidos contra si. No domingo Sá ficou definitivamente no coração dos sportinguistas. A célebre imagem de festejo comovido e a emoção da vitória aproximou Sá do que ele é: um ex-adepto portista que sente o Sporting como ninguém, uma casa que nunca lhe virou as costas e que sempre o estimou. Numa era em que o amor à camisola constitui já assunto mitológico a imagem destoou, e entre os adeptos rivais, pouco habituados a recentes manifestações sentidas do género, houve quem clamasse por castigo, misturando sentimento e orgulho dirigido aos próprios adeptos com mesquinhez provocatória aos rivais. Sá olhou para nós e beijou o nosso orgulho. E nós nunca esqueceremos Sá por isso. Não há portanto lugar a castigos, quanto muito existe motivo para um dos pecados mais feios: a inveja.
No Benfica o caso é outro. Simão espetou hoje uma facada difícil de sarar no clube com adeptos do Alasca à Indochina. Publicou um texto no seu site que não só o parece isentar de responsabilidades no descalabro de sábado como culpa quase tudo o que mexe no seu clube empregador: do presidente aos colegas que para ele jogam. Simão coloca-se quase que numa redoma de vidro ou, se quiserem uma referência cinematográfica, transforma-se num “bubble boy” desligado dos acontecimentos de sábado e vítima de toda a estrutura encarnada. A desculpa de que o texto é da autoria de um familiar de pouco servirá a Simão internamente, conseguindo no máximo enganar o adepto mais ávido de desculpas rápidas e demasiado calcinado pelo atropelo de sábado. A verdade é que Simão é responsável pelo seu site pessoal, e obviamente um texto deste tipo não surge por acaso e sem prévia consulta, sobretudo quando supostamente é da autoria de um familiar próximo. Ou seja, num momento difícil em que o Benfica necessitava de um capitão encontra um... traidor. O traidor mina o ambiente interno de forma decisiva em vez de cumprir a sua função máxima de união e moralização. Quais os objectivos de Simão nesta atitude? Ninguém sabe, mas o eminente fecho do prazo europeu de inscrições e a troca de promessas que ocorreu há uns meses atrás talvez explique o sucedido.
Perante tudo isto alguns benfiquistas sentir-se-ão confusos com a atitude do símbolo máximo da equipa. Inebriados por vitórias recentes pouco afirmativas e unânimes esqueceram um problema que assola o Benfica de há alguns anos a esta parte: a falta de referências, honestas e oriundas da fábrica do sentir benfiquista – as escolas do Benfica. Simão transformou-se num ídolo de consumo rápido mas quem conhece a história e os personagens deste filme sabe que o coração de Simão nunca esteve naquele elenco e que a sua urgência em sair é um sinal claro dessa realidade. Simão nunca perdoou o facto de o Sporting não o resgatar, e já o demonstrou em público. O Benfica precisa de encontrar os seus ídolos, senão continuará a encarar o gesto de Sá Pinto como uma provocação e não como a mais bela manifestação de algo que lhes fugiu desde a saída de Rui Costa: o amor honesto à camisola.